A violência nos arredores de estádios de futebol
gera vítimas fatais, as práticas de violência produzidas pelas torcidas
organizadas inflexionam-se e (re)dimensionam-se na base dos "jogos de relações"
travados no cotidiano da sociedade brasileira contemporânea. As torcidas criam
o hábito de utilizar redes sociais para marcar duelos com rivais, e vários
confrontos terminam em morte
O histórico de agendamento de brigas de torcida
pela internet remonta a 1997, na Holanda. Na ocasião, torcedores do Ajax e do
Feyenoord, maior rivalidade do país, marcaram duelo se utilizando de
computadores. Um torcedor do Ajax foi espancado até a morte. Agora, no Brasil,
esses confrontos com torcidas organizadas acontecem dentro e fora nos estádios.
No dia, em que o Palmeiras derrotou o Corinthians
por 1 a 0, no Pacaembu, pelo Campeonato Paulista de Futebol, cerca de 50
torcedores de Corinthians e Palmeiras iniciaram uma briga generalizada. Durante
a confusão, um disparo de arma de fogo atingiu José Sinval Batista de Carvalho
no coração, que passava pelo local e não pertencia a nenhuma das torcidas
organizadas, e logo depois, morreu na hora. E no Rio de Janeiro também houve
confusão. Antes Do jogo entre Botafogo x Flamengo, no estádio Nilton Santos
(Engenhão): Diego Silva dos Santos, foi baleado no peito durante confusão
próxima à entrada Norte do local e não resistiu aos ferimentos. Essas mortes
acabam aumentando a estatística das vítimas fatais provocadas por este tipo de
agrupamento social.
A violência vem ganhando parte significativa na
agenda social, em especial nos veículos de comunicação de massa, parecendo
assumir o epicentro das preocupações do poder público e do homem contemporâneo.
No entanto, merece ser observada por outros ângulos cada vez menos
policialescos ou midiáticos, para evitar que seja utilizada, apenas, como
cenário de "espetáculo" e "banalização" humana.
A partir da visão dos "torcedores" (muitas
vezes denominados vândalos em trabalhos científicos) e das
"autoridades" envolvidas com o evento esportivo, busca-se relacionar
a violência produzida entre as "torcidas organizadas" com os
"jogos" de relações sociais travados no espaço urbano. Pelos olhos
desses envolvidos é que se encaminhará a fundamentação das questões levantadas.
A observação privilegiará os discursos coletados em
pesquisa de campo ou em dados obtidos na imprensa escrita e televisiva, dos
anos 80 em diante, tendo como ponto de partida:
- aumento da violência entre "torcidas
organizadas";
- a intolerância com a violência, após o dia 20 de
agosto de 1995, no acontecimento denominado de "Batalha Campal do
Pacaembu";
- a incompatibilidade da violência com os rumos da
profissionalização administrativa do futebol brasileiro.
A violência ao redor do futebol não é acontecimento
novo e há exemplos na história do futebol brasileiro4 e mundial (Murphy,
Williams e Dunning, 1994:39-70) de atos de extrema violência entre torcedores.
O que é inédito é o movimento social de jovens em torno de uma organização que
difunde novas dimensões culturais e simbólicas no cotidiano urbano, amoldando o
comportamento dos inscritos. Diante desse contexto, duas questões ficam
registradas: quem são esses "torcedores"? Quais os motivos desse
aumento considerável de violência?
Dos anos 80 para cá, sabe-se que, no Brasil, o
comportamento do torcedor nas arquibancadas dos estádios de futebol
modificou-se consideravelmente. Isso se deu pelo surgimento de configurações
organizativas com característica burocrática/militar,5 fenômeno essencialmente
urbano6 que cria uma nova categoria de torcedor, ou seja, o chamado
"torcedor organizado".
Fica uma indagação: em quais circunstâncias
socioculturais, políticas e econômicas nasce essa "nova categoria de
torcedor"? A questão perpassa todo texto e remete à análise da
constituição do tecido social das grandes cidades.
A violência entre "torcidas organizadas"
não está desarticulada dos aspectos político, econômico e sociocultural
vivenciados nas relações individuais e grupais na sociedade brasileira
contemporânea. Conseqüentemente, o estilo de vida dos jovens, aqui denominados
de novos sujeitos sociais,9 não pode ser dissociado dos desdobramentos causados
por esses traçados político-econômicos legitimados no "jogo" social. Na
década de 70, o poder de mando do complexo industrial interferiu nas
macroorganizações político-econômicas, provocando grandes instabilidades nas
microorganizações sociais emergentes. Em outras palavras, o conflito entre os poderes
econômico e social marcou a construção do espaço urbano das grandes cidades,
prevalecendo o interesse do capital e, de alguma forma, esse processo
interferiu, inclusive, na identidade social dos jovens que se expressam através
da negação do outro (enquanto ser social), da disputa e da violência prazeirosa
entre os grupos rivais.
Vários dos conflitos entre torcedores organizados
são, hoje, agendados nas redes sociais. Fotos das brigas e da destruição
provocada pelos componentes destes agrupamentos organizados estão exibidas,
para quem quiser ver, no universo das mídias sociais. Mostrar para os colegas
os seus feitos no “campo de batalha” é fator de distinção dentro da estrutura
militarizada destas instituições. Um serviço de inteligência, que simplesmente
acompanhasse as redes sociais, ajudaria na identificação dos torcedores
violentos e na adoção de medidas preventivas para evitar conflitos. Três
aspectos se convergem para justificar e explicar a violência entre
"torcidas": a juventude, cada vez mais esvaziada de consciência
social e coletiva; o modelo de sociedade de consumo instaurado no Brasil, que
valoriza a individualidade, o banal e o vazio; e o prazer e a excitação gerados
pela violência ou pelos confrontos agressivos.
O que se arrisca, por
derradeiro, dizer é que a violência caracterizou-se como parte intensa nas
dimensões do cotidiano urbano contemporâneo, em especial dos grandes centros,
sendo que uma pista importante, diante da intolerância da
"comunidade" esportiva e das "autoridades públicas" ao movimento
de "torcidas organizadas", cinge-se na indicação de que a repressão
(policial, legal, etc.) contribui para manter uma "suposta ordem",
porém, contribui, também, no deslocamento dessa massa jovem para outros
movimentos de busca de prazer e de excitação.
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